O Brasil está prestes a alterar uma regra tributária que vigora há quase três décadas: a isenção do Imposto de Renda sobre dividendos pagos a pessoas físicas. Desde 1996, essa isenção beneficiava sócios e acionistas de empresas, mas o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 1.087/2025, aprovado pela Câmara dos Deputados, propõe o fim desse modelo. A matéria segue agora para o Senado Federal e, caso aprovada sem alterações, entrará em vigor em janeiro de 2026.
De acordo com Taís Baruchi, CEO da PKF BSP e especialista em BPO contábil, fiscal e financeiro, a origem dessa isenção está no Art. 10 da Lei nº 9.249/1995, que determinou que os lucros distribuídos por empresas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado não estariam sujeitos ao IR — nem na fonte, nem na declaração do beneficiário.
“Na época, a intenção era evitar a chamada bitributação econômica: como a empresa já pagava imposto sobre o lucro (IRPJ e CSLL), a cobrança de imposto também na distribuição aos sócios seria uma duplicidade”, explica a executiva.
Com o passar dos anos, esse modelo passou a ser questionado sob a ótica da equidade tributária. Enquanto os trabalhadores assalariados sofrem retenções mensais com alíquotas progressivas, os rendimentos de capital, como dividendos, permaneciam isentos para pessoas físicas.
“Essa diferença gerou críticas de quem defende que a renda do capital deve seguir o mesmo princípio da renda do trabalho”, observa Taís. “Por outro lado, há quem argumente que as empresas já enfrentam uma carga tributária alta e que uma nova incidência sobre dividendos pode desestimular investimentos e afetar a geração de empregos.”
As principais mudanças previstas no PLP nº 1.087/2025
O projeto propõe duas alterações estruturais voltadas às faixas de renda mais altas:
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Tributação mensal sobre dividendos pagos a pessoas físicas acima de R$ 50 mil por mês;
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Criação de uma tributação mínima anual para contribuintes com renda superior a R$ 600 mil por ano.
Ambas as medidas estão previstas para entrar em vigor a partir de 2026, modificando de forma significativa a forma como rendimentos elevados serão tributados.
1. Tributação mensal sobre dividendos
Segundo o texto, dividendos e lucros distribuídos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física, que ultrapassem R$ 50 mil por mês, sofrerão retenção de 10% de Imposto de Renda na fonte, sem possibilidade de deduções.
Importante ressaltar que, uma vez atingido o limite, a alíquota incidirá sobre o total distribuído no mês — e não apenas sobre o valor que exceder o teto.
2. Tributação mínima anual
A segunda medida estabelece uma alíquota mínima de IRPF que cresce de forma progressiva conforme o valor total da renda anual. A cobrança começa a partir de R$ 600 mil por ano, podendo chegar a 10% para quem ultrapassar R$ 1,2 milhão.
Na prática, o contribuinte deverá complementar, na declaração anual, qualquer diferença entre o imposto efetivamente pago e o valor mínimo exigido.
Responsabilidades adicionais para as empresas
O novo modelo também traz obrigações extras para as empresas. A retenção e o recolhimento do IR de 10% sobre dividendos mensais acima de R$ 50 mil ficarão sob responsabilidade da fonte pagadora, que deverá realizar o procedimento no momento da distribuição.
Além disso, o projeto prevê um mecanismo redutor sobre o imposto mínimo anual das pessoas físicas, caso a soma da carga tributária entre empresa e sócio ultrapasse determinados percentuais — 34%, 40% ou 45%, dependendo do setor de atuação.
Para usufruir desse redutor, será necessário comprovar o lucro contábil e os tributos pagos pela empresa, o que exige demonstrações financeiras bem estruturadas e atualizadas.
“Empresas que antes não viam necessidade de manter uma escrituração detalhada precisarão rever essa postura”, alerta Taís. “A contabilidade precisa estar organizada e apta a sustentar os cálculos apresentados nas declarações de seus sócios.”
Prazo de transição: atenção ao fim da isenção
Um ponto sensível do projeto diz respeito ao prazo final para manter a isenção sobre lucros apurados até 2025. O texto aprovado assegura que esses valores ainda poderão ser distribuídos sem tributação até 31 de dezembro de 2028, desde que a distribuição tenha sido formalmente aprovada até 31 de dezembro de 2025.
Isso significa que as empresas deverão realizar assembleias ou reuniões de sócios, aprovar a distribuição e registrar as atas antes do encerramento de 2025. Após essa data, os lucros não distribuídos passarão a se enquadrar nas novas regras de tributação.
Um novo ciclo na tributação de dividendos
O PLP nº 1.087/2025 representa uma mudança de paradigma no sistema tributário brasileiro. Ele encerra o ciclo de isenção sobre a distribuição de lucros e inaugura um modelo mais abrangente e alinhado às práticas internacionais.
“Para sócios, especialmente de empresas familiares ou de capital fechado, será indispensável repensar a forma de retirada de lucros, acompanhar os limites mensais e compreender o impacto da tributação mínima anual”, orienta Taís Baruchi.
“Já para as empresas, o foco deve estar na conformidade contábil, na retenção correta e na documentação que dará suporte às declarações dos sócios.”
A especialista faz um alerta: o prazo para planejamento é curto.
“O momento de agir é agora. Até o fim de 2025, ainda é possível distribuir lucros antigos com isenção. Passado esse período, o novo sistema entrará em vigor, com cruzamento de informações entre pessoas jurídicas e físicas, retenções obrigatórias e fiscalização automatizada pela Receita Federal. A janela de oportunidade existe — mas está se fechando rapidamente.”



